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Conhecimento Especial: Incorporação

Entrevista com um Exu Quebra Demanda



No início de 2021, enquanto trabalhávamos na produção do documentário Incorporação, uma de nossas ideias iniciais era incluir uma entrevista com uma entidade incorporada.

Após pensar em diversas alternativas e passar um bom tempo procurando pela pessoa certa, conseguimos marcar uma entrevista com um médium que nos encontrou em uma noite fresca de verão no quintal de um discreto terreiro perto do centro de São Paulo.

A inserção desse conteúdo no formato vídeo, no entanto, acabou se mostrando bastante desafiadora por diversos motivos, o que nos levou a deixar o material fora da versão final.

Por outro lado, o resultado da conversa foi interessante demais para simplesmente ficar guardado, então optamos por publicá-lo no formato texto.

Abaixo, você encontrará a transcrição de pouco mais de uma hora de diálogo com um Exu Quebra Demanda, explicando quem ele é e o que ele faz, assim como um vislumbre de como as entidades enxergam a humanidade.

Os nomes dos presentes e da entidade foram alterados para preservar sua privacidade.

Legenda:
[E]: Exu Quebra Demanda
[C]: Clara
[M]: Marco Polo

Apresentação

[E] Salve tu, Clara. Tá bem?

[C] Salve. Sempre. Tem ficado, né? 

[E] E também vocês estão meio doentes, por aí.

[C] É verdade… acho que tá mais doente de alma do que de corpo.

[E] Salve tu! 

[M] Salve suas forças!

[E] Tá bem?

[M] Bem! Não fiquei doente, ainda.

[E] Hehehe. Tá bom, então.

[E] Tô sem minhas coisas, aqui. Não vou fazer macumba hoje, não.

[C] Ah, hoje não vai dar, né?

[M] Hoje é só uma conversa 

[E] Hehehe.

[M] Não sei se o menino conversou com você. (referindo-se ao médium)

[E] Ah, o que ele sabe, eu sei, né? Então…

[M] Sabe? Que a gente queria bater um papo aqui para um projeto nosso. Fazer algumas perguntas… Pode ser?

[E] Pode fazer as perguntas.

[M] Tudo bem se a gente gravar?

[E] Tudo bem.

[C] Já tô gravando.

(Todos riem)

[M] Ah, mas temos que ter o, o clique aqui pra aceitar.

[E] Ele não tem apelido ainda, né? (referindo-se ao entrevistador)

[C] Ainda não, pelo que eu entendi, né?

[M] Não lembro.

[E] Então tá bom, pode fazer as perguntas aí, Marco Polo!

[C] Marco Polo. Ta aí, ó. 

[M] Haha. Tá certo. Gostei.

Identidade

[M] Bom, para começar, quem você é?

[E] Como vocês estão gravando para mostrar para muita gente, vamos dizer só que eu sou um Exu Quebra Demanda.

[M] Certo.

[E] Então vocês podem apresentar assim. Meu nome dentro da minha egrégora é um, mas pros efeitos mundanos, eu sou um Exu Quebra Demanda.

[M] Ótimo. Acho que essa é a minha segunda pergunta. O que que é um Exu, e o que é um Exu quebra demanda?

[E] Dentro da mitologia iorubá tem a personificação dos nichos naturais pelo orixás. Então, da mesma forma que toda mitologia tem as suas personificações de um arquétipo, dentro da iorubá também tem. O Exu, dentro dessa mitologia, ele é uma representação do arquétipo das escolhas, do arquétipo da energia sExual, da energia criativa, das emoções… das encruzilhadas, e é daí que vem a ideia das escolhas…

[M] Uhum.

[E] E tudo isso vai sendo atribuído pra ele, dentro de uma construção mitológica mais completa, onde o Exu ganhou essas características. Mas mesmo os Exus não são todos iguais, cada um trabalha numa linha. Num estilo de trabalho diferente do outro, mesmo que a essência do trabalho seja a mesma, de poder transitar entre todos os planos, e é por isso que se diz que sem Exu não se faz nada… e aí esses Exus também têm as suas especialidades, e essas especialidades são reconhecidas através de nomes. Então, tu vai ter o Exu Morcego, o Exu Veludo, Sete Encruzilhadas… e aí vai ter os Quebra Demanda, os Arranca-Toco… esses Exus, cada um vai trabalhar num lado diferente, então, por exemplo, tem o Exu Marabô… Marabô tá ligado muito com uma energia… uma energia ancestral, então vai ser um Exu que normalmente vai ter uma representação mais anciã… outro pode ter um Quebra Demanda, que é o meu caso, que tem uma facilidade maior de quebrar demanda, de quebrar feitiço, de quebrar obsessão… o Exu Morcego, pode trazer as coisas do inconsciente, tem mais facilidade de trazer aquilo que não está visível, no consulente… então são formas de reconhecer essas linhas, e cada uma dessas linhas também têm os seus símbolos que as representam, que normalmente são partes componentes do ponto do Exu… que é uma assinatura que cada entidade tem, é uma assinatura energética pra se representar uma parte dessa energia no plano físico. Essa assinatura também mostra um pouco de qual é essa linha ou qual é o nome que esse Exu recebe dentro daquela linha. Então tu pode ir num monte de centro de umbanda diferente… e todo centro de umbanda diferente, todo terreiro que tu vá, toda tenda que tu vá, vai ter um Exu diferente, mas que vai ter o mesmo nome… então pode ser que tu vai pra outro terreiro e tu vai encontrar outro Quebra Demanda lá… e aí cada um deles vai ter a sua especialidade ali.

Cotidiano

[M] Como um quebra demanda, como um Exu, como que é a sua vida, o seu dia a dia? O quê que…

[E] Hehe. A minha não vida?

[M] É. Como que é?

[E] Hmm. O tempo passa… diferente, no mundo espiritual do que no mundo físico. Mas a nossa vida não é muito diferente da vida de vocês. A gente tem períodos de descanso, períodos de trabalho, períodos de estudo… não muda muito. Aqui vocês estão mais limitados, pela consciência de vocês, e têm a possibilidade de experienciar o mundo terreno, com todas as suas manifestações e todas as suas… a sua discriminação de coisas diferentes. No plano espiritual as coisas se tornam… não tão discriminadas, mas ao mesmo tempo tua consciência é mais expandida. E é por isso, que pela percepção de tempo de vocês, a gente tem mais tempo pra estudar, mais tempo pra trabalhar, mais tempo pra descansar… o corpo espiritual também precisa de descanso, precisa também repor suas energias…

[M] De alimento?

[E] Hmm… a gente também se nutre. Mas não é de alimento físico e sólido como o de vocês… esse alimento é de outros tipos de energia, que é como se fosse a correlação do que vocês têm hoje no plano físico de comida, lá a gente tem outra energia, que é análoga a essa energia da comida. Isso também serve como nutrição pra nós. Mas não só essa nutrição do corpo… desse corpo espiritual, desse corpo emocional, mas também a nutrição que o estudo traz pro corpo mental… a nutrição que meu trabalho traz pro corpo espiritual… então, basicamente, a nossa vida é muito parecida: a gente trabalha… quem acha que vai morrer e não vai mais trabalhar, tá enganado, porque vai trabalhar… 

[C] Talvez até um pouquinho mais, né…

[E] Já que o tempo lá passa diferente, a gente tem mais tempo pra fazer as coisas… então também tem mais tempo pra trabalhar, e trabalha mais. Hehehe.

[M] Então é muito parecido com a nossa vida humana… mas de uma forma mais difusa, em tempo, em sensações, e tudo o mais?

[E] Não… não pode dizer que tem as sensações como vocês têm aqui. As sensações de vocês aqui são filtradas pelos cinco sentidos, isso cria uma realidade interna. Quando você não está preso aos cinco sentidos, a realidade se torna mais vívida e muito mais próxima da verdade com a qual ela quer se apresentar. Então, não existe uma sensação de passagem de tempo… só que a partir do momento que tu toma como referência um ponto na Terra pra observar, aquele ponto na Terra se torna a tua referência de tempo e tu passa a acompanhar aquele tempo. Mas quando tu não toma um ponto na Terra de referência, tu tá passando por um lugar onde a tua consciência tá tão expandida que não existe tempo e espaço, ela tá no Todo, em todo o espaço e todo o tempo. Falei que é difícil pra vocês entenderem isso, porque a mente de vocês ainda tá fechado em um cérebro que é unidimensional, que é unifocal, tá sempre presente no foco de alguma coisa… mas imagina que ao mesmo tempo em que tu tá me ouvindo, tu tá sentindo o vento no teu corpo, tá sentindo o cheiro do charuto… isso dá um pouco dessa ideia do que é sentir tudo ao mesmo tempo, sem estar com a mente focada em algo, ou a consciência focada apenas em algo. Então as sensações, o que vocês chamam de sensaçõe, são diferentes pra mim. Quando eu tô sentindo amor, sei que é amor, quando tô sentindo raiva, sei o que é raiva… é muito nítido e claro isso. Não é alguma coisa, tipo, quando vocês tão com fome e não sabe o que quer comer. Hehehe. Ou quando tá sentindo alguma coisa e não sabe bem o que é que tá sentindo… e dependendo do grau que tu tá, ou até onde tua consciência alcança… o que tu sente, deixa de ser uma coisa só individual e começa a se tornar algo mais coletivo. O que um sente, todos sentem. E quando o que um sente, todos sentem, ninguém mais ofende o outro, porque se ofende o outro e o outro se sente ofendido, e tu sente a mesma coisa, tu também se sente ofendido. Mas isso só quando a consciência vai expandindo e galgando alguns degraus.

[M] Muito bom. Eu acho que eu precisava entender isso um pouco, antes da próxima pergunta…

Incômodos

[M] Não sei se isso existe pra vocês, mas pra gente aqui, tem coisas que incomodam, né? a fome, o frio, alguém que ofende a gente, né? A gente tem medo… o que assusta você, o que faz mal pra você?

[E] Hehehe. Vocês me assustam, às vezes [Todos riem] Hmm. Para mim, não existe mais uma sensação de “medo” igual à que vocês sentem. Porque a sensação de medo que vocês sentem, ela é fruto de uma consciência, que quer permanecer na carne, e dos instintos que vêm com o corpo físico. Isso vem dos instintos de preservação que vocês têm pra se manterem vivos. E o medo é produto disso. Quando tu não tem mais corpo físico, e na teoria nada pode te matar… tu vai ter medo do quê? Então a gente não tem medo… Não posso falar por todos. Muitos espíritos, quando desencarnam, ainda ficam muito ligados às emoções terrenas ou através de um cascão astral ou através de alguém… e continuam sentindo essas sensações do mundo físico. Mas aqueles que se desapegam do corpo físico… que se assumem completamente enquanto corpo emocional, corpo mental, em todas as suas divisões… esses não têm mais por que ter medo. Primeiro, porque tu sente as intenções. É como se vivesse num plano em que a empatia fosse um dos sentidos como vocês têm de audição, de olfato… Então tu sabe quais são as intenções… tu sente, tu sabe a intenção, sente a mesma coisa. E a partir daí, tu sabe que aquele ser não tem como te fazer mal, que o único que pode fazer mal pra tu mesmo, é tu. Então essa sensação de medo, se tu me perguntar o que me assusta, nada me assusta, porque eu sei o que eu sou, sei quem eu sou… e sei que ninguém tem nenhum poder, nenhum domínio sobre mim… então não tenho por que ter medo de ninguém.

[M] Ninguém mesmo? Não tem uma hierarquia, alguma coisa assim?

[E] Hmm. O nosso entendimento de hierarquia é um pouco diferente do entendimento de hierarquia de vocês. Não é que alguém manda na gente. Mas é alguém que tem mais sabedoria em algum assunto. E aí sabe aquele ditado que vocês têm? “Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha”? Então se é alguém que tem mais sabedoria, a gente vai ouvir. E é muito sábio da nossa parte obedecer, porque afinal, essa outra força já tem uma sabedoria maior, já passou por um processo de experiências maiores… coisa que vocês fazem pouco aqui, né, ouve pouco os mais velhos, já que os mais velhos são chatos, vocês acham que eles não têm razão. Alguns ficam presos aos seus padrões de vida e não conseguem se libertar, mas a experiência traz sabedoria e isso, dentro do mundo espiritual, é encarado como uma hierarquia nesse sentido. Mas é muito mais uma hierarquia de autoridade, de percepção de autoridade, do que de imposição de autoridade.

[M] Boa. Então, a única coisa que te faz mal são as suas próprias atitudes?

[E] Com certeza. Elas são capazes de baixar a minha consciência, de densificar a minha consciência. E o único propósito de uma consciência ser densificada é a encarnação neste planeta. Além disso, isso pode indicar uma dependência emocional, até física de algum aspecto aqui da manifestação. Então aqueles que abaixam as suas consciências vivem muito próximos do mundo físico, mas sem ter as benesses do mundo físico. Por isso que o único que pode destruir a tu mesmo, é tu. E com os espíritos, os Exus, é a mesma coisa. Somos só nós que temos esse poder de nos destruir, ou de nos colocar em posição de sofrimento. “Ah, mas o outro fez mal pra tu…” Tu passa a ter a consciência de que não tem “o outro”, quando tu sente a mesma coisa que todos, quando existe uma conexão de sensações… então não faz sentido, só aqui, que é muito fácil que os sentidos de vocês se enganem, pela percepção de que existe uma separação.

[M] Sim…

[E] E aí normalmente, muitos de vocês são arredios com a ideia de que o outro te causou o mal mas que, no fundo, a responsabilidade de ter dado o poder pro outro foi tua. E aí vem aqueles dizendo “ah, mas, e o cara lá que fez não sei o quê, e o outro que fez não sei o que lá, e o outro que fez não sei o que lá”… a partir do momento que tu olha sob essa ótica, primeiro vem uma descrença do mundo espiritual, de achar que espíritos são crianças, são velhos, quando os espíritos são espíritos. Então até uma criança, quando encarna… escolheu encarnar, escolheu as experiências que quer passar. A mesma coisa com o velho, que tá chegando no fim da vida, também escolheu as experiências dele. Mas isso ainda é um assunto difícil de tocar com muitos de vocês, que ainda tão muito arraigados com essa ideia de que “o outro me fez mal, o outro…” então… um dia desencarna, um dia a consciência expande e vai ver que “o outro” é só uma ilusão.

Erros e Arrependimentos

[M] Me desculpe a pergunta, se ela for invasiva, não precisa responder. Mas tem alguma experiência que você poderia contar pra gente, onde você errou e você se sentiu muito mal?

[E] Até… até eu conhecer minha essência, no sentido completo da palavra, não no sentido… que às vezes vocês passam por rituais, vislumbram experiências essenciais, ou às vezes… principalmente com o contato do religioso, do sagrado, vivem essa experiência… mas quando você tem a plena consciência do que se é, como um todo. E essa plena consciência do que se é como um todo, normalmente você só se tem depois que se desencarna… alguns de vocês conseguem ter essa consciência durante o plano físico… mas eu tive o meu processo também de encarnar, pra aprender quem eu era, pra viver as minhas experiências, pra reconhecer a minha essência sendo manifesta de infinitas possibilidades… e é óbvio que durante esse meu tempo encarnado, eu também cometi meus erros. Foram meus erros que fizeram parte do meu aprendizado. Essas cicatrizes só ficam no corpo físico. Elas não marcam nosso corpo espiritual. Então, posso dizer que eu, de vez em quando, ainda erro em alguma coisa? Pode ser, faz parte ainda… ainda não me dissolvi no Todo, não me tornei uno com Deus, ainda tenho processos que são apreendidos o tempo todo. Mas quando tu sabe quem tu é… é como se o erro fosse algo que tu escolheu. Não tem mais a desculpa de tu não ter a consciência, de tu estar errando ou não estar. Tu sabe que tá errando, mas se tu quer ter a escolha de errar, pode escolher errar, sabendo que vai vir um aprendizado. Ou pode aprender pela essência, que é mais fácil. Eu… aprendi que pela essência é melhor. Hehehe.

Acertos e Alegrias

[M] Tá… Bom, essa foi a parte ruim. Tirando ela da frente, vamos pra parte boa. O quê que te faz bem? O quê que te deixa feliz? 

[E] O que me deixa entusiasmado… é realizar o meu trabalho. A gente sempre fala que o trabalho é o amor em movimento. Então, toda oportunidade que eu tenho de colocar o amor em movimento, eu considero trabalho. E o meu trabalho é ser Exu. E, como Exu, meu trabalho é provocar as pessoas a saírem dos seus processos cristalizados e se auto conhecerem cada vez mais. Talvez se tu perguntar isso pra outra entidade, ele vai falar que o que faz ele feliz é estar ali no terreiro. Se tu perguntar pra outra, vai falar que o que faz ele feliz é tomar o marafo, ou fazer magia, ou receber uma oferenda. Porque isso não tem a ver com os espíritos. É a mesma coisa que eu perguntar o que tu gosta de comer, perguntar pro outro ali o que gosta de comer… cada um vai falar uma coisa diferente. Então o que me faz feliz não quer dizer que vai fazer todo mundo feliz. E o meu papel é esse. Pode ter outro Exu que o papel seja diferente. O outro, vai ter um papel muito parecido com o meu. Porque cada um tem a sua essência. E essa felicidade que vocês buscam, essa alegria, ela nada mais é do que a consequência da realização do que é essencial pra tu. Vocês invertem, às vezes, as coisas. Vocês vão buscar primeiro a felicidade, e aí ela se torna algo… fugaz, que se desfaz muito rápido. Por que ninguém fica feliz o tempo todo. A felicidade é uma consequência. E muitas vezes, é algo que tu nem espera, tu vai lá faz e percebe o quanto aquilo te faz feliz. Isso é um bom indicativo de que tu tá mexendo com alguma coisa que é uma expressão essencial. Ou seja, a felicidade é muito mais um sintoma do que um objetivo. O objetivo é buscar se manifestar enquanto essência e a felicidade é o sintoma disso. 

[M] Bonito.

[E] Hehehe.

[M] Você poderia compartilhar alguma situação, alguma coisa que você fez e que te deixou muito satisfeito?

[E] Toda vez que eu posso vim trabalhar, me deixa satisfeito. Toda vez que eu venho aqui, posso trabalhar magia, posso falar de autoconhecimento, posso provocar as pessoas a refletirem… isso vem, como consequência, uma felicidade, vem… pra vocês, talvez, felicidade seja uma palavra que complete isso, mas pra mim eu prefiro “entusiasmo”, eu me sinto cheio de Deus.

[M] Muito bonito, de novo.

[E] Hehe. É o Exu poeta.

(Todos riem)

Relação entre espíritos e encarnados

[M] Acho que isso encaixa um pouco na minha próxima pergunta, que é por que você incorpora? Porque tem muitas coisas que você me explicou que te deixam satisfeito, “próximo de Deus”. Por que você precisa incorporar pra fazer isso? Que coisas você não consegue fazer na sua forma astral?

[E] Todo espírito só age no plano terreno se existir um encarnado. Nenhum espírito pode mover objeto, fazer magia, se não tiver um encarnado. O encarnado é o ponto de contato do mundo espiritual com o mundo físico. O encarnado é o aparelho pelo qual o espírito encarna. Ele precisa do corpo físico pra poder se manifestar nesse plano. Se pra viver nesse plano, preciso de um corpo físico, pra eu manifestar qualquer coisa nesse plano, eu preciso de um corpo físico. Então a incorporação é uma das ferramentas pra que o mundo espiritual possa trabalhar no mundo físico. O mago é uma das ferramentas pra que o mundo espiritual possa, através dele, realizar uma magia. Os fenômenos paranormais que vocês observam só são possíveis porque alguém tá presente. Se você afastar as pessoas de um lugar… esses lugares que vocês falam que são “mal assombrados”, se você tirar todo mundo de lá, não vai ter manifestação nenhuma, porque não tem nenhum corpo físico lá pra que, através dele, ele se torne um canal daquela manifestação. E a incorporação é a mesma coisa. Nós não podemos agir, se não for através de vocês. E isso tem o lado bom e o lado ruim. Porque o lado bom… quando tem uma gira, num terreiro, quando tem uma… uma mesa rodante, num centro espírita… quando tem um médium, no candomblé… mas tem o lado ruim também. Que é quando vocês abrem as portas pra esses espíritos de consciência mais densa, que querem ainda absorver as energias aqui do plano físico, e aí usam vocês pra isso. Por isso que eu sempre falo: se vocês não abrirem as portas, ninguém vai entrar. Porque sozinho, nenhum espírito faz nada. Aquela ideia de que “ah, tem espíritos malvados me dominando!”, só estão te dominando, porque tu tá deixando. Tu abriu a porta. Eu só posso incorporar porque ele deixa eu incorporar (falando sobre o médium). Se ele não quiser, eu não venho. Eu não posso tomar ele à força. Tem médiuns que são tomados à força, mas é uma escolha inconsciente do próprio médium, de ser tomado à força e ficar inconsciente no processo. É ele que escolheu, não a entidade. Pela entidade, é muito melhor o médium trabalhar consciente, pra trabalhar junto, do que ficar inconsciente. Porque se não a entidade tem que se valer só do que ela sabe. E muitas vezes a entidade se vale do aparelho cognitivo do médium, pra justamente poder se valer dos símbolos que o médium conhece. Pra poder, inclusive, facilitar a linguagem com os consulentes, com os cambones… se não… se eu falasse do jeito que eu falava da última vez que eu encarnei aqui, talvez vocês não me entendessem…

Alcance de consciência

[M] Eu trabalhei um tempo como cambone, e eu via que as perguntas que as pessoas faziam pras entidades se repetiam muito. E às vezes eu ficava me perguntando o que uma entidade consegue ou não consegue saber? Você sabe de um futuro próximo, você sabe do sentimento de outras pessoas, você sabe o que vai acontecer? O que uma entidade é capaz de saber, que eu, ser humano, não consigo?

[E] Muitas vezes… eu vou tentar fazer uma analogia… sabe quando tu tá ensinando alguma coisa pra uma criança? E tu vai falar pra criança, “se tu puser a mão ali, no fogo, tu vai queimar a mão”. Por que você sabe disso? Porque tu é mais velho, tu tem mais experiência, tu tem mais consciência do mundo. Ou até quando tu chega, às vezes, pra um amigo teu que tá passando por algo que você já passou, e tu chega pra ele e fala “eu já fiz isso, vai acontecer tal coisa…” e acontece. Tu tá prevendo o futuro?

[M] (rindo) Não…

[E] Não. Então é um pouco disso. Se tu passa muito tempo num terreiro, como tu mesmo disse, tu vai sempre ouvir a mesma pergunta. “Ah, eu tenho alguém lá no meu trabalho que tá me prejudicando, ou eu quero um aumento, ou quero comprar uma casa, eu quero uma pataco, eu tô doente…” São sempre… ou “fulano não gosta de mim”… são sempre as mesmas coisas. Na hora que tu vê um, tu vê todos. Então, por mais que a gente tenha uma percepção, um pouco, do inconsciente de vocês… e isso, às vezes, brilha pra gente… Em geral, nenhuma entidade tá prevendo o futuro. Ela simplesmente tá se valendo da sabedoria dela pra indicar um caminho, porque ela sabe o que vai acontecer… ela já viu aquilo, um monte de vezes, acontecer. E ela sabe pra que caminho aquilo vai. Então, quando uma entidade fala alguma coisa com um consulente, o consulente depois volta e fala “olha, tudo que o senhor falou aconteceu”, não é que a gente é adivinho, mas é a analogia que eu fiz: é um vô conversando com o neto. Não porque a nossa sabedoria é maior do que a de vocês… muitas vezes, não é. Muitas vezes, a entidade é até mais simples do que o consulente. Mas não tá preso às percepções físicas dos cinco sentidos, tá com a consciência mais expandida. Não tá presa a paixões, desejos, necessidades de conquistas materiais… porque a entidade sabe enxergar o mundo pra além dessas necessidades. Então, quando você tá desprendido dessas ilusões e, principalmente, do apego… por mais que a entidade seja simples, é bom ouvir. Hehehe.

[M] Com certeza. Uma coisa que eu via muito era alguém chegar como você comentou, “no meu trabalho, tem alguém que não gosta de mim…” mas especialmente coisa de amor, né? “Poxa, a minha mulher, ela vai me largar… ela tá com alguém… meu marido…”, né. Quando a entidade responde sobre situações assim, ela tá lendo a energia da outra pessoa quem não está ali, ou ela tá lendo mais a pergunta do consulente?

[E] Ahn… se ela tá perguntando de uma outra pessoa, e aquela pessoa não tá lá… não tem como acessar essa outra pessoa. Tá longe, tá fora… não tá ali dentro do plano físico naquele momento. Então, tudo é feito através do consulente. Porque se tudo é escolha do consulente, a resposta tá no consulente. Então, quando tu conversa com o consulente, tu já sabe se o outro tá traindo, não tá traindo… a resposta tá ali, tu não precisa buscar fora ou buscar no outro. Não tem uma invasão de privacidade, eu não peço dois minutinhos pra ver onde tá o outro e depois e volto pra contar que tá aprontando. O próprio consulente tem a resposta, ele sabe, no fundo, ele sabe a resposta. Ele só vem perante a entidade pra ter a confirmação de alguma coisa. Então, nesse sentido, não precisa nem ler a mente. O jeito que faz a pergunta, o jeito que tá desesperado com o assunto, já entrega. E aí, de novo, sem esse apego de estar preso às coisas ilusórias, é como ler um livro com a frase escrita, fica claro e cristalino.

[M] Muito bom. 

Trabalhos e Oferendas

[M] É comum quando você vai conversar com uma entidade, que ela te direcione pra fazer algum trabalho, alguma oferenda. Como é pra você receber uma oferenda? O que você faz com o que você encontra ali?

[M] Hmm… Isso também é algo que depende e varia de entidade pra entidade. Tem muita entidade que pede oferenda… E a oferenda tem uma dupla função: a primeira, é uma espécie de uma desconstrução do consulente, porque ele precisa entender que o trabalho é dele… montar a oferenda, simbolicamente, representa o trabalho que ele deve executar pra mudar aquela situação. E, pra entidade, é um ponto de contato, pra se manter em contato com aquele consulente. A oferenda serve pro consulente se valer daquela energia, como se fosse uma âncora, que te ancora ali na situação pra que tu tenha um pouco mais de consciência do que tá acontecendo… Mas eu, por exemplo, sou uma entidade que nunca pediu oferenda. 

[C] (ao fundo) Uhum.

[E] Então, isso varia, isso depende. Dependendo da linha da umbanda, tu vai ter oferenda ou não vai ter oferenda, dependendo do candomblé, tu vai ou não vai ter oferenda… então, depende muito da linha onde tu tá. Tem muita linha de umbanda que não tem oferenda pra nenhuma pra entidade… porque um dos problemas da oferenda, é o cara achar que ele fez a oferenda… nem tá prestando atenção no que tá fazendo, direito, só foi lá, seguiu a receita de bolo que passaram pra ele, ele foi lá, montou tudo, pôs lá, fez de má vontade… “puta, esse Exu pediu uma pinga não sei o quê, não tô achando a pinga… pô, tive que cozinhar uma galinha, tive…” faz blasfemando, reclamando, e aí entrega a oferenda de qualquer jeito, depois ainda quer resultado. Não percebe que o próprio fato de desmerecer o próprio trabalho na construção da oferenda é um reflexo do que faz no trabalho com o resto. Aí por isso que o relacionamento não vai bem, o trabalho não vai bem, não consegue conquistar os objetivos… Por quê? Porque não consegue nem fazer um trabalho pra melhorar a própria vida. Porque esse trabalho, e é por isso que tem esse nome, “trabalho”, é porque é a forma que tu tem de colocar o próprio amor em movimento. No dia que tu vir um Exu baixando numa encruzilhada pra comer frango e a farofa, tu me avisa, porque até hoje eu não conheci nenhum hehehe!

[C] Eu também nunca vi nenhum.

[E] Aquilo é um compromisso, de tu com tu mesmo. A entidade tá ali, pra receber aquela energia e entender que ali tem um trabalho de amor, ali tem um caminho de essência. Quando aquilo é feito de qualquer jeito, de maneira arbitrária, a entidade já vê que ali não tem algo essencial. Por mais que a gente tenha essa capacidade de ter uma sabedoria, e de ler os consulentes nesse sentido, a gente não conhece a essência de cada um. Cada um conhece a sua. E é impossível que o outro conheça a do outro. Então, é algo muito complexo, muito cheio nuances, muito cheio de possibilidades de manifestação, não dá pra eu cravar: “ah, olha, tua essência é tal”… eu posso te apontar alguns caminhos, porque a gente vai percebendo alguns caminhos e vai mostrando alguns caminhos que podem facilitar enxergar alguns aspectos. Mas nunca dá a receita pronta, porque a gente nem tem a receita pronta pra dar…

[M] Muito bem.

Um Olhar Sobre a Humanidade

[M] Eu sei que o tempo não existe pra vocês como existe pra gente… mas, fazendo uma análise do momento que a gente tá vivendo hoje da humanidade, como que vocês, ou você, olha pra gente, hoje? O que você enxerga na humanidade, hoje?

[E] Hehehe. Nesse espaço-tempo que vocês tão inseridos agora, vocês estão passando por alguns desafios, que são sempre criados pela própria consciência humana. São as crises pra que vocês cresçam, pra que vocês aprendam… Se vocês entenderem o que vocês estão passando nesse espaço-tempo agora como um problema coletivo, que vocês precisam resolver juntos… você pode trazer isso pro microcosmo como um problema individual que você precisa resolver. Então, quando resolve aquele problema, tira aquele problema da frente, aprende alguma coisa. Os mais espertinhos não causam o mesmo problema de novo pra si mesmos… e a humanidade, de tempos em tempos, e em momentos específicos, manifesta, através de uma consciência coletiva, algumas crises maiores que afetam a todos pra que tenha um salto de expansão de consciência. Então, imagina que tu tá desencarnado e quer encarnar… tu pode escolher se tu quer encarnar em um desses períodos de salto de expansão de consciência, sabendo que vai passar por momentos que vão ser de profunda reflexão… ou encarnar em momentos entre esses saltos pra colher um pouco dos frutos do que foram esses saltos e experienciar aquilo… a escolha é sempre de vocês. O livre arbítrio, ele não funciona só quando vocês tão encarnados. Ele funciona o tempo todo. Então, as escolhas sempre são individuais. Porque… tu não pode culpar Deus, tu não pode culpar ninguém. O livre arbítrio, justamente, é dado pra que tu faça tuas escolhas e saiba que o resultado final é um efeito da causa que tu mesmo proporcionou. Então, enquanto humanidade, vocês estão passando por um momento em que é importante que haja um salto de consciência. Muitas pessoas vão estar presas ao que era antigo, a um modo diferente de vida, e tiveram que se desconstruir, tiveram que ver que… nem sempre as coisas são do jeito que o ego arbitrário quer. Então, muita gente mimada, né? Hehehe. “Ai, meu Deus, a minha liberdade! Ai, meu Deus…” e não consegue olhar pra dentro de si e ver o que tá aprendendo. Não consegue olhar pro mundo e ver o que cada parte sua tá experienciando. Não consegue ver que mesmo no lodaçal mais sujo, pode nascer uma flor de lótus.

[M] Muito bom. E pra encerrar, porque eu sei que já tá até terminando o charuto…

[E] Hehehe. Eu tenho ainda uns minutinhos…

O Que é a Vida?

[M] Pra encerrar, quando eu perguntei como é a sua vida, você falou “a minha não-vida”, né…

[E] Hehe.

[M] Pra você, o que é a vida?

[E] Hmm… o que vocês entendem como vida é o momento entre o nascimento nesse planeta e a morte. E aí essa vida, eu poderia chamar de “escola”, de “aprendizado”. É o momento entre… a criação da oportunidade de viver uma vida de aprendizado, que pode ser curta, pode ser longa, mas ela tem a duração certa pra aprender exatamente as coisas que são necessárias… mas se a gente sair dessa ideia, de vida, a gente pode entender que essa vida é uma representação microcósmica do que é a vida fora da matéria. O que seria uma representação macrocósmica, do que é vida… que é o nosso período de existência. Não é muito diferente do momento que a gente surge no universo, até o momento em que a gente deixa de se reconhecer enquanto consciência individual e passa a se reconhecer enquanto uma parte de uma grande consciência… que não tem mais individualidade, que passa a ser o todo. Alguns podem chamar isso de morte, mas é essa morte que gera nova vida. É assim que os ciclos são feitos. Então a vida nada mais é do que uma grande existência de aprendizados e de experiências. Muitas vezes pra um lado, muitas vezes pro outro, mas que, no fundo, aproxima todos de quem eles são de verdade, das vossas essências, e, no final das contas, do entendimento de que tudo é o Todo.

[M] E você sente saudade da época de vivo?

[E] Ah… não posso dizer que eu sinto saudade. Hehehe. Mas o tempo que eu passei… as vezes que passei encarnado, são épocas em que eu aproveitei o que eu pude aproveitar, em termos de aprendizado. Então, na verdade, não é uma saudade. Mas é uma valorização de todas as experiências que eu tive, tanto encarnado aqui, como em outros níveis de consciência, ou em outros lugares. Cada lugar desse é como se fosse um pedaço do que compõe a minha consciência. Então não dá pra eu sentir saudade de um pedaço da minha consciência, mas eu valorizo aquele pedaço da minha consciência.

[M] Você acha que a gente, em geral, enquanto humanidade, não valoriza a experiência que a gente tá tendo?

[E] De forma inconsciente, todos vocês valorizam… e se apegam à vida. Batalham pela vida, batalham pra terem conquistas, pra se colocarem em situações de mudança, de adaptação. Mas, muitas vezes, blasfemam contra essa existência, reclamando da vida, querendo tirar a própria vida que ninguém lhe deu, a não ser tu mesmo. Aí depois que desencarna, olha e percebe que perdeu uma oportunidade de criar uma consciência mais expandida… e aí vai tentar voltar de novo pra refazer algumas experiências, alguns aprendizados. Aqui, existem aprendizados específicos daqui, como em outros lugares vão ter aprendizados específicos de cada lugar. E muito do que tu colhe aqui, tu só vai colher aqui… então, é importante valorizar as experiências, valorizar esse momento… como algo que muitas vezes pode ser dolorido, pode ser sofrido… mas sempre lembrar que isso é muito percepção do ego. O ego é que sofre, o ego é que sente isso. O espírito não tem essa dor, porque ele sabe que o corpo físico fica pra trás, sabe que uma série de coisas que vocês têm hoje como apego ficam pra trás, e o que sobra é a consciência. E o que produz a consciência é a experiência.

[M] Bom, muito obrigado, tudo muito bem respondido!

[E] Hehehe. Ah, passei?

[M] Passou com louvor.

[E] Tirei 10?

(todos riem)

[M] Com estrelinha e tudo!

[E] Hehehe.

[M] Fico muito agradecido e muito feliz. Você deve ter percebido o quanto com uma conversa como essa, eu fico até emocionado. De verdade.

[E] Hehehe.

[C] É enriquecedora, né, porque acho que responde a vários anseios que a gente traz dentro da gente, mesmo, né.

[M] Sim.

[E] Mas esses anseios são… são importantes. Fazem parte dessa… dessa programação que vocês recebem pra viver. Pra ansiar, pra serem curiosos… são as perguntas que movem o mundo, não são? Então é essa curiosidade que traz a busca pela necessidade de resposta, essas respostas trazem mais perguntas… pra que o aprendizado seja contínuo. Ninguém tem que se contentar com uma resposta só. Inclusive, nem as minhas respostas para todas essas perguntas. 

[M] Claro.

[E] São só frutos da minha experiência.

[M] Sim.

[E] Tu pode conversar com outra entidade que talvez vá te responder coisas diferentes… Isso não quer dizer que o mundo espiritual está em conflito e em guerra…

[M] (rindo) Sim.

[E] É só a visão de experiência de cada um.

[M] Sim. Muito obrigado mesmo.

[E] Eu que agradeço. Hehehe.

[M] Espero que a gente se reencontre em breve. 

[E] Hmm. Já, já. Hehe. Eu tô sempre presente. Hahaha. Salve tu!